sexta-feira, 27 de maio de 2011

Uma mulher agitada, um homem e uma coca-cola


Bom, pra falar a verdade, ninguém poderia prever o ocorrido, mais alguma coisa estava errada naquele sábado de Maio.
Ela levantou irritada, agitada, de cara com tudo e brigando por nada, não era normal, estava tudo bem, aparentemente. Sua filha estava estudando, marido na sala e ela fazendo suas "tarefas".
logo mais a tarde, a tia ligou, e logo depois ela apareceu dizendo que ia viajar, seu pai não estava bem e ia vê-lo. Depois de um longo período para decidir quem ia, quem ficava, por algum motivo, todos foram. Ao chegar na porta da casa materna, não foi preciso dizer nada a ninguém que a acompanhava, apenas um choro desesperado de uma filha, que queria ver o pai antes dele partir... Como foi? quando foi? todas falavam, mais a irmã, enfermeira, dava detalhes técnicos desconhecidos, mais que bastavam para entender. A descrição do caminho até o hospital pela filha marcou corações, a filha pedia ao pai para não morrer naquele momento, que esperasse a volta da neta, ele apenas olhou, resmungou, e voltou a fechar os olhos. Após algum tempo, teve o merecido descanso. Quem olhasse aquela casa naquele momento, veria apenas as coisas, deixadas por ele, roupas pela cama, objetos, alimentos específicos, e uma coca-cola, zero, um diabético, que não pedia a vida, pedia apenas o fim de seu sofrimento, o fim da dor, o fim dos remorsos, das brigas, mal humor, e o fim de tudo, apenas isso.
Depois, a neta não podia ficar, não queria ficar, foi para juntos dos outros avós enquanto o corpo era velado. Eu fico imaginando, caro leitor, a cena do velório em um certo momento da noite. O genro, a filha mais nova e a esposa, ambas dormiam, e apenas o genro acordado, o que justamente não tinha muito a ver, mais, o que permaneceu acordado durante a noite toda, e a sogra, entre cochilo, e despertares subtos. Ele e o sogro, ele e o corpo. apenas. No dia anterior a neta, que estava na cidade, chegou no fim das orações, viu pessoas estranhas, desconhecidas, parentes, e pessoas até os comentários bizarros sobre a tia de 92 anos que falava de tudo e de todos, viu homens que talvez, tenham sido amigos de seu avô no passado, velhos que um dia foram jovens e vívidos, cheios de vida, e que naquele momento,prestavam suas ultimas homenagens ao amigo, viu coroas de flores, enviadas pelas irmãs que o "amavam" - que ironia-, viu também sua mãe, de longe, e sentiu uma dor imensa, não pelo avô, mais pela mãe, que dor estaria ela sentindo e imaginou em como seria quando fosse sua vez, não, não queria pensar naquilo, mais não quis ver o corpo, não quis guardar aquela lembrança horrível de seu avô, não viu quando levaram o corpo, não viu seu avô, não teve em sua mente a lembrança de um corpo no caixão, algo frio, sem emoção, nem vida, teve a lembrança do ultimo momento em que esteve com seu avô, aquele em que ela lhe disse, " Vô, se cuida! se alimenta direito, pro, senhor ficar bem, por favor, vô" e ele disse, eu vou cuidar, mais era da boca pra fora, não cuidou, nem cuidaria, pois aquela foi a ultima vez que viu a neta, o ultimo Domingo, a ultima feijoada, o ultimo litro de coca, o ultimo encontro com a família; lembrou-se de quando era criança e ele chegava com picolés de goiaba, dos Chokitos, das vezes que chegava bêbado, mais, lembrou que para ele não adiantava mais viver, pois a paz era tudo que ele queria, a paz. Não queria mais nada! queria paz. E teve.... Até mais.