Me agrada saber que posso acordar todo dia. E todo dia me agrada não acordar à mesma hora: a mesmice me deixaria embebedado, envenenado pela mesmice de ser mesmice. Gosto de não escovar os dentes, todo dia, antes de tomar café: seja antes, seja depois, nunca uma sequência.
E assim vou levando meu dia: meu dia vazio de verdades, cheio da verdade. Um dia verdadeiramente intenso, como o beijo, adocicado pelo chá de limão de pouco antes, que cruza meus lábios em sintonia com a música. Aquele suor, permeando teu rosto, é a intensidão que o dia te trouxe, junto com a batida calma e cansada de teu peito, que há dias vive sem descanso.
Mas aí... ele me vê, e bate, bate como tendo dois dias de vida: eu vejo ele, eu sinto ele pulsando em minhas veias, e sei que não é, fisicamente, meu. Mas ele bate, incessante, ele quer se soltar do peito daquela moça que não é a moça que o criou: ele me pede ajuda, e eu sou quem pode ajudá-lo.
E eu tento ajudá-lo, repito à dona dele que ela é solta, que ela tem de voar, alto e longe, sem cansar, mas que sempre pouse no meu jardim, na minha janela, para cantar livre e docemente. Eu a libertei, sentados naquela mesa de biblioteca qualquer (até sei qual a cadeira, a mesa, mas não me vale saber isso, o que me vale é que aconteceu).
E eu a libertei, eu a fiz voar, vi seu canto engrossar, seu sorriso brilhar de vez, e vi seus olhos, pela primeira vez, sem a cortina da dor. Eu havia preenchido o último vazio dela: ela não sabia o que era amar. Nossa, Poeta, quem você é pra falar disso! Sou alguém que já amou, mas amou errado, e aprendeu com o erro de amar errado! Não deixo margem para me julgar, e eu decidi amá-la e cuidá-la, como minha mulher, e não como tua, leitor.
Eu me orgulho do que fizemos, e decidimos ser livres de tudo e de todos. Quem somos? Dois encantados, tão simples quanto isso. Ah! Quem somos, pra vocês? Namorados, se é que vocês têm cacife pra bancar essa definição imposta pelo modelo de sociedade que vocês vivem. Estamos juntos, e pretendemos seguir nossa vida, voando alto e cantando, mas sempre pousando no nosso jardim pra descansar.
E só deixarei de fazer isto tudo quando meu dia terminar. O dia, para mim, só termina quando acaba o meu fazer, e não quando o relógio marca a nova meia-noite. Meu dia começou há pouco, e quero nunca saber quanto vai durar.
É amor.
O Poeta.
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